RIO DE JANEIRO (Reuters) – Responsável por uma explosão de casos de Covid-19 este ano que levou o Brasil ao epicentro global da pandemia, a variante P.1 pode representar alguma forma de barreira no país ao avanço da variante Delta, considerada ainda mais contagiosa, segundo especialistas, que alertaram sobre a necessidade de medidas para evitar o que tem ocorrido em outros países.
No momento em que o Brasil tem registrado um arrefecimento da pandemia, com quatro semanas seguidas de queda no número de mortes pelo novo coronavírus, ainda que com mais de 1.100 óbitos por dia em média, um eventual avanço da Delta poderia jogar por terra a melhora do quadro, principalmente porque a nova variante demanda duas doses das vacinas para ser combatida, acrescentaram.
“A peleja viral entra Delta e Gama será fator decisivo das futuras semanas da pandemia no Brasil”, disse à Reuters o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, que estuda o avanço da pandemia no Brasil e no mundo. “O Brasil está em um equilíbrio instável, e se a Delta prevalecer sobre a P.1 nós vamos ter outra explosão.”
A P.1, batizada oficialmente de Gama, teve origem em Manaus no final do ano passado e contribuiu para uma dramática segunda onda da Covid-19 no Brasil no primeiro semestre deste ano, quando o país chegou a registrar mais de 3 mil mortes por dia em média e se tornou o segundo do mundo com mais óbitos, com mais de 545 mil atualmente.
Também com maior poder de disseminação do que as formas originais do coronavírus, a P.1 rapidamente se tornou a cepa dominante da pandemia pelo país, sendo responsável por mais de 90% dos casos. Com esse avanço rápido, ela se sobrepôs a variantes originadas em outros países, como Alfa (Reino Unido) e Beta (África do Sul), que chegaram ao Brasil como ameaças, mas tiveram vida curta no país.
Agora, no momento em que o avanço da variante Delta, originada na Índia, tem provocado novos surtos de Covid-19 em países europeus e nos Estados Unidos e despertado temores sobre o ressurgimento da doença mesmo em lugares com mais de metade da população imunizada com as duas doses, a disputa entre as variantes vai selar o destino da pandemia no Brasil, de acordo com especialistas ouvidos pela Reuters.
“A gente teve uma onda com a Gama de enorme magnitude, então a Alfa e a Beta não tiveram espaço devido à presença da Gama… Poderíamos imaginar isso com a Delta”, disse o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.
“No médio prazo o que nos interessa saber é se ela vai só complementar a Gama, e manter esse nível estabilizado alto que nós temos, ou se vamos viver um novo surto, um novo aumento.”
Os primeiros casos da variante Delta no Brasil foram confirmados em maio, em dois brasileiros que regressaram ao país da Índia e também na tripulação de um navio indiano que aportou no Maranhão. Até o momento, mais de 100 casos da variante foram confirmados em seis Estados, mas o fato de o Brasil realizar poucos testes de genoma dos vírus aponta para uma presença muito maior da variante.
No Rio de Janeiro, onde a vigilância genômica é maior do que em outros lugares do país, a Delta representa 29% dos casos no Estado em julho, mas a P.1 ainda é dominante com 64%, segundo dados da Rede Corona-ômica-RJ.
Dois riscos adicionais para a disseminação da Delta são o afrouxamento das medidas de restrição praticamente em todo o país mediante o arrefecimento da pandemia nas últimas semanas e o baixo percentual de pessoas vacinadas com as duas doses , 16,5% da população.
Segundo estudo publicado na quarta-feira no New England Journal of Medicine, apenas com duas doses se obtém proteção significativa contra a Delta. Uma dose do imunizante da Pfizer teve eficácia de 36%, e uma dose da vacina da AstraZeneca foi cerca de 30% eficaz, segundo a pesquisa.
“Todas essas reabertuas malucas, o clima de já ganhou, isso vai ser muito prejudicial caso a Delta se espalhe realmente pelo Brasil”, disse Nicolelis, que é professor emérito da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
De acordo com o pesquisador Felipe Navelca, da Fiocruz Amazônia em Manaus, o fato de a P.1 ser uma variante originada no Brasil e que já se disseminou amplamente pelo país pode dificultar o espalhamento da Delta.
“A Delta e outras variantes são introduções externas, então, por mais que tenham mutações importantes e mostrado isso nos países onde passaram a ser dominantes, você precisa ter a introdução do vírus no Brasil, e às vezes poucas introduções não são suficientes para causar uma epidemia, enquanto a P.1 nós tivemos várias vezes a disseminação”, disse ele à Reuters.
Navelca pondera, no entanto, que o fato de a variante Beta não ter avançado no país como se temia não significa que o mesmo irá ocorrer com a Delta, uma vez que ambas têm mutações diferentes.
“Beta e P.1 eram quase idênticas, mas a Delta tem outras mutações, então pode ser que não tenha exatamente o mesmo comportamento”, afirmou, lembrando, ainda, que o Brasil será o primeiro país com ampla predominância da variante P.1 a receber a variante Delta.
Para Rivaldo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, será “praticamente impossível” impedir a disseminação da variante Delta no país, tendo em vista o que ocorreu em outros lugares, mas a vacinação dos grupos prioritários da população evitará uma repetição do que ocorreu quando do surgimento da P.1
“Até o momento, o que se sabe, há uma boa resposta das vacinas em uso na proteção contra as formas graves que poderiam ser provocadas pela variante Delta. Ela tem, felizmente, ao que tudo indica, um poder maior de transmissibilidade, velocidade maior, porém, ao que tudo indica, não tem um poder de causar casos muito mais graves que pudessem colocar o sistema de saúde em pânico”, disse.
Por Pedro Fonseca
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